quinta-feira, 14 de junho de 2012

Portal da Saraiva: Solar da Fossa

  Entrevista publicada pelo portal Saraiva/conteúdo sobre o Solar da Fossa, saudando a 2a. edição do livro. Trabalho da repórter Daniela Guedes, que pode ser acompanhado também no link:  http://www.saraivaconteudo.com.br/Materias/Post/46001

1-     Como surgiu a ideia de retratar a estória do Solar da Fossa?

TV – Estive no Rio em 1970 e pude sentir a importância do Solar na vida de muitos amigos, incluindo os escritores Paulo Leminski e Wilson Bueno, que moravam lá. A pensão sempre esteve ligada a boas histórias envolvendo uma boa camada da nossa cultura, naqueles anos. Como diz o Guarabyra, o livro Solar da Fossa revela o DNA da cultura brasileira contemporânea.

2-     Você chegou a frequentar o Solar da Fossa?

TV – Não, apenas conheci o casarão de fora, passando pela porta, um ano antes da demolição, mas a pensão ainda funcionava.                                                                                                                                    

3-     Conte-nos o porquê do nome Solar da Fossa.

TV – O nome surgiu da cabeça de um veterano, o carnavalesco Fernando Pamplona, do Salgueiro, que tinha sido colocado pra fora de casa pela mulher. Ele estava separando e foi morar na pensão Santa Teresinha. Quando concedeu uma entrevista para um jornal, falando do carnaval que se aproximava, ele explicou que estava curtindo uma fossa naquele Solar. A expressão estava no jornal no dia seguinte: Solar da Fossa.

4-     Em sua opinião, o que existia naquele lugar para ser tão procurado e freqüentado por tanta gente boa e talentosa?

TV – Foi uma feliz coincidência que gerou o fenômeno embalado nos anos rebeldes, os anos 60. Os jovens queriam deixar a casa dos seus pais para fazer música ou política estudantil e, em muitos casos, as duas coisas. O serviço oferecido pela pensão prenunciava as ofertas de um Apart hotel, com faxina diária e troca semanal de roupa de cama, desde que o pagamento fosse adiantado – o que desobrigava a existência de um fiador, um avalista. Era muito prático para quem podia pagar. A descoberta da pensão pela turma do Teatro Jovem, no Mourisco, gerou um interesse coletivo de músicos e artistas, que foi se alastrando... A palavra liberdade estava no centro dos interesses.

6-De todas as histórias que você ouviu e relatou em Solar da Fossa, qual foi a que você achou mais interessante?

TV – Difícil destacar uma história apenas, mas gosto da molecagem do Guarabyra, gravando os ruídos do amor do vizinho mais próximo e depois reproduzindo em alto e bom som no Teatro Casa Grande; da presença forte e adulta da Maura Lopes Cançado, pessoa trágica que escreveu um livro no manicômio: Hospício é Deus. As criações musicais de Paulinho da Viola, Caetano, Naná Vasconcelos, MPB4. Tim Maia... um punhado de boas memórias musicais. Como sou biógrafo de Leminski e Torquato Neto, dediquei atenção especial à passagem deles pelo Solar – o que também rendeu boas histórias.

7-Naquela época, que outros locais também atraiam a contracultura brasileira? Algum destes poderia ser comparado ao Solar?

TV – Bem, em outra escala, havia o Beco das Garrafas, em Copacabana; o trecho da praia conhecido como Dunas da Gal ou Pier de Ipanema. Mas nada comparado com a mística do Solar da Fossa, que abrigou uma média de mil moradores durante os oito anos de existência da pensão: 1964-1971.

8-O local era bem ao estilo sexo, drogas e rock and roll? Dá pra contar um “causo” legal?

TV – No início não havia muitas drogas, que se resumiam às bolinhas de anfetamina e conhaque Dreher. Depois apareceu a maconha e, no final, LSD. Nada de cocaína ainda. O sexo era bem praticado e o rock and roll dividia os holofotes com a MPB clássica. Eu gosto do episódio em que o Paulinho da Viola mostra a letra de uma música que tinha acabado de escrever. Quem viu não gostou e fez o comentário: “Não dá samba”. No dia seguinte, quando ouviu com música, a mesma pessoa adorou. Era Sinal Fechado, com ares de nova poesia, que logo estaria liderando as paradas de sucesso.

9- Podemos considerá-lo um saudosista? Existe algo em que o mundo naquele tempo tenha sido melhor do que hoje?

TV – Não me vejo como um saudosista clássico. Minha tarefa, enquanto jornalista, tem sido chamar atenção para o que de melhor minha geração produziu. Sou biógrafo de Leminski e Torquato por achar que eles representam a produção poética mais interessante e inquieta dos anos 60, com qualidade. O mesmo acontece com o Solar da Fossa, que foi um espetacular acontecimento cultural, surgido de forma espontânea e, portanto, merece registro. Agora, o fato de eu ser testemunha das rebeldias dos anos 60, da explosão da juventude e dos meios de comunicação, sim, me torna um espectador privilegiado, pois tudo era inaugural e magnânimo.

10- Pela estória transposta para o livro, você acabou tendo um contato muito intenso com aquelas personagens e o próprio local dos acontecimentos. Qual o tamanho da importância dessa experiência para você, enquanto escritor, jornalista?

TV – De muitos personagens do Solar eu já era amigo antes de entrevistá-los. É o caso dos curitibanos Leminski, Wilson Bueno, Adelson Alves e Marcelo Baraúna. Sou amigo da Maria Gladys há muito tempo, o mesmo posso dizer de Sá e Guarabyra e de Carlos Marques, outro personagem polêmico do livro. Me aprofundar nas histórias e na produção cultural deste período foi como ter aula viva sobre cultura pop, com direito a uma trilha sonora espetacular.

11-Em determinado momento o Solar passou a ser considerado como um estilo de vida, uma filosofia, como você analisa este fato?

TV – Um estilo de vida. É o que resultou da experiência que reuniu a nata da criação e do pensamento contemporâneo brasileiro. Havia charme na postura rebelde em contraponto às autoridades do governo ditatorial. Vale lembrar que a arte refletia a sua porção mais colorida, o fator psicodélico. No Solar tinha de tudo, até circo, no caso o Grande Circo Romano.

12-Você encontrou algum tipo de dificuldade na preparação deste livro?

TV – Nenhuma dificuldade, pelo contrário, pois a maioria dos moradores da pensão ainda está viva. Poucos se foram: Zé Keti, Zé Rodrix, Leminski, Bueno, Maura Lopes, Tânia Scher...

13- Além das biografias do Paulo Leminski e Torquato Neto. Você já tem algum novo projeto biográfico em curso?

TV – Sim, mas por enquanto não posso revelar, pois a pauta futura é segredo editorial. As boas ideias estão escassas... rs.

14- Algumas histórias de alguns lugares emblemáticos, como o Minhocão, em São Paulo e o Edifício Master, no Rio de Janeiro, já viraram filmes. Não pensa em contar a história do Solar no cinema?

TV – O jornalista Luis Carlos Cabral, que eu conheci na TV Globo, está iniciando a produção de um documentário.  Como eu já disse, o bom é que quase todos os personagens estão vivos para recontar a história e facilitar o trabalho dele.

15-Você começou a se interessar por jornalismo ainda muito jovem. A literatura teve um papel importante neste processo?

TV – Sim, eu tenho que dizer que conhecer Paulo Leminski, quando eu tinha 22 anos, foi fundamental. O poeta curitibano me despertou o interesse pelas letras, pelos livros, pela literatura. Eu costumo dizer que antes de conhecer o Paulo eu era um sujeito tacanho. Depois, engatei uma segunda, terceira e... fui sozinho.

16-Quais são as suas principais referências literárias?

TV – Senti o impacto das primeiras leituras em Dostoiévski, Flaubert, Conrad, Mario de Andrade e Oscar Wilde. Mas o primeiro livro que me marcou foi Cazuza, de Viriato Correia, quando eu tinha 14 anos.

17-Em Solar da Fossa, você diz que naquele tempo, anos 70, havia uma ideologia na juventude, quando ela se posicionava como “uma força ativa na vida e na construção do país”. Diante disso, é possível pensar ainda em um resgate desta ideologia?

TV – Os tempos são outros. Os novos tempos não comportam mais romantismos e ludo-ludo, ou seja, o jogo não-eletrônico da vida; a automação está tomando conta do cotidiano.  O mundo está globalizado, para o que há de bom ou ruim nisso. Para salvarmos a própria vida temos que antes salvar o planeta.

2 comentários:

Junior Lopes illustrator disse...

boa noite,Toninho..acabei de ler o solar..é maravilhoso..da p sentir o carinho q foi escrito..parabens..

Toninho Vaz disse...

Thanks, Junior. Bom saber que vc gostou... abraço