... ao poeta Marco Vasques, de Floripa, sobre contracultura no Brasil. 2009.
P – No livro "Paulo Leminski - O bandido que sabia latim" você diz que conheceu Lemisnki "no tempo em que a contracultura era uma postura ideológica e não um produto de consumo". No que resultou aquele movimento de contracultura?
TV – Houve um momento, logo antes da explosão dos meios de comunicação e da modernidade trazida pela automação, que o mundo era uma aldeia. A ingerência do seu vizinho nos rumos da sua vida era para pedir uma chave de fenda emprestada ou uma xícara de sal. Houve um momento em que o pensamento filosófico e autêntico, aquele que orienta as bases das relações, era mais importante do que o resultado de sua venda, em forma de livros ou qualquer outro objeto de arte e cultura. Hoje, resta dúvida sobre quem comanda a ação, se o mercado ou o leitor. (Ou você acha que o jabá instituído nas rádios FMs, por exemplo, para privilegiar determinada música, deve ser visto como normal e saudável, “a tendência do mercado”?) A contracultura, neste contexto, desempenhou um papel importante para a construção deste admirável mundo novo, como diria Huxley. Alguns gurus da nora era, como John Lennon e Timotty Leary, que perceberam o fim do sonho, gritaram antes. Por outro lado, como conseqüência dessa forte ideologia, acreditávamos que seria possível mudar o mundo, torná-lo mais colorido e saudável. A idéia era apagar da memória a herança dura da II Guerra. Depois vem a descoberta frustrante de que uma guerra apenas antecede outra e depois outra, todas em lugares exóticos e fascinantes, repletos de cultura planetária: Vietnan, Iraque, Ruanda, Bósnia. Paquistão... Então voltamos ao começo e reiniciamos a jornada tentando uma façanha ainda maior: mudar a nós mesmos. Ou, como dizia Einstein: “É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”.
P – Por que você diz que a contracultura é produto de consumo?
TV - Não existe alternativa. As agências americanas de publicidade, ainda nos 60´, tiveram a idéia de aproveitar uma manifestação político-musical de jovens cabeludos para chamar atenção para a calça Lee, que a maioria usava. Índigo blue. Então, a liberdade passou a ser uma calça velha, azul e desbotada. Veja o caso do livro Cidade de Deus, feito dentro de uma linha ideológica básica do autor, o Paulo Lins, ele mesmo morador do inferno descrito na história. Tudo certo, mas a história foi encontrar sua caixa de ressonância na versão tecnô do diretor Mirelles, cheia de efeitos e trucagens de laboratório. Neste sentido, eu concordo com a crítica feita por Ruy Guerra, que denunciou uma adulteração na intenção primeira do romance. Apesar disso, ou talvez até por isso, foi um grande sucesso de bilheteria. Por outro lado, o fenômeno Paulo Coelho, o mago, é literatura ou mercado editorial? Como acontecia com Lobsang Rampa, nos 70´, ninguém tem tanta verdade suprema para colocar em 22 volumes.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 comentários:
Maravilha de depoimento, Toninho. A pura verdade posta de maneira racional e inteligente.
Abraço!
Muito bom Toninho, o exemplo do livro do Paulo Lins comparado ao filme do Meireles foi perfeito, o fenômeno de vendas da calça jeans também foi outro ótimo exemplo.
Abço.
Vou compartilhar...Bj
Postar um comentário