1-
Como surgiu a ideia de retratar a estória do
Solar da Fossa?
TV – Estive no Rio em 1970 e pude
sentir a importância do Solar na vida de muitos amigos, incluindo os escritores
Paulo Leminski e Wilson Bueno, que moravam lá. A pensão sempre esteve ligada a
boas histórias envolvendo uma boa camada da nossa cultura, naqueles anos. Como
diz o Guarabyra, o livro Solar da Fossa revela o DNA da cultura brasileira
contemporânea.
2-
Você chegou a frequentar o Solar da Fossa?
TV – Não, apenas conheci o
casarão de fora, passando pela porta, um ano antes da demolição, mas a pensão
ainda funcionava.
3-
Conte-nos o porquê do nome Solar da Fossa.
TV – O nome surgiu da cabeça de
um veterano, o carnavalesco Fernando Pamplona, do Salgueiro, que tinha sido
colocado pra fora de casa pela mulher. Ele estava separando e foi morar na
pensão Santa Teresinha. Quando concedeu uma entrevista para um jornal, falando
do carnaval que se aproximava, ele explicou que estava curtindo uma fossa
naquele Solar. A expressão estava no jornal no dia seguinte: Solar da Fossa.
4-
Em sua opinião, o que existia naquele lugar para
ser tão procurado e freqüentado por tanta gente boa e talentosa?
TV – Foi uma feliz coincidência
que gerou o fenômeno embalado nos anos rebeldes, os anos 60. Os jovens queriam
deixar a casa dos seus pais para fazer música ou política estudantil e, em
muitos casos, as duas coisas. O serviço oferecido pela pensão prenunciava as
ofertas de um Apart hotel, com faxina diária e troca semanal de roupa de cama,
desde que o pagamento fosse adiantado – o que desobrigava a existência de um
fiador, um avalista. Era muito prático para quem podia pagar. A descoberta da
pensão pela turma do Teatro Jovem, no Mourisco, gerou um interesse coletivo de
músicos e artistas, que foi se alastrando... A palavra liberdade estava no
centro dos interesses.
6-De todas as histórias que você ouviu e relatou em Solar da
Fossa, qual foi a que você achou mais interessante?
TV – Difícil destacar uma história apenas, mas gosto da molecagem
do Guarabyra, gravando os ruídos do amor do vizinho mais próximo e depois
reproduzindo em alto e bom som no Teatro Casa Grande; da presença forte e
adulta da Maura Lopes Cançado, pessoa trágica que escreveu um livro no manicômio:
Hospício é Deus. As criações musicais de Paulinho da Viola, Caetano, Naná
Vasconcelos, MPB4. Tim Maia... um punhado de boas memórias musicais. Como sou
biógrafo de Leminski e Torquato Neto, dediquei atenção especial à passagem
deles pelo Solar – o que também rendeu boas histórias.
7-Naquela época, que outros locais também atraiam a
contracultura brasileira? Algum destes poderia ser comparado ao Solar?
TV – Bem, em outra escala, havia o Beco das Garrafas, em
Copacabana; o trecho da praia conhecido como Dunas da Gal ou Pier de Ipanema.
Mas nada comparado com a mística do Solar da Fossa, que abrigou uma média de
mil moradores durante os oito anos de existência da pensão: 1964-1971.
8-O local era bem ao estilo sexo, drogas e rock and roll? Dá
pra contar um “causo” legal?
TV – No início não havia muitas drogas, que se resumiam às
bolinhas de anfetamina e conhaque Dreher. Depois apareceu a maconha e, no
final, LSD. Nada de cocaína ainda. O sexo era bem praticado e o rock and roll
dividia os holofotes com a MPB clássica. Eu gosto do episódio em que o Paulinho
da Viola mostra a letra de uma música que tinha acabado de escrever. Quem viu
não gostou e fez o comentário: “Não dá samba”. No dia seguinte, quando ouviu
com música, a mesma pessoa adorou. Era Sinal Fechado, com ares de nova poesia,
que logo estaria liderando as paradas de sucesso.
9- Podemos considerá-lo um saudosista? Existe algo em que o
mundo naquele tempo tenha sido melhor do que hoje?
TV – Não me vejo como um saudosista clássico. Minha tarefa,
enquanto jornalista, tem sido chamar atenção para o que de melhor minha geração
produziu. Sou biógrafo de Leminski e Torquato por achar que eles representam a
produção poética mais interessante e inquieta dos anos 60, com qualidade. O
mesmo acontece com o Solar da Fossa, que foi um espetacular acontecimento
cultural, surgido de forma espontânea e, portanto, merece registro. Agora, o
fato de eu ser testemunha das rebeldias dos anos 60, da explosão da juventude e
dos meios de comunicação, sim, me torna um espectador privilegiado, pois tudo
era inaugural e magnânimo.
10- Pela estória transposta para o livro, você acabou tendo
um contato muito intenso com aquelas personagens e o próprio local dos
acontecimentos. Qual o tamanho da importância dessa experiência para você,
enquanto escritor, jornalista?
TV – De muitos personagens do Solar eu já era amigo antes de
entrevistá-los. É o caso dos curitibanos Leminski, Wilson Bueno, Adelson Alves
e Marcelo Baraúna. Sou amigo da Maria Gladys há muito tempo, o mesmo posso
dizer de Sá e Guarabyra e de Carlos Marques, outro personagem polêmico do livro.
Me aprofundar nas histórias e na produção cultural deste período foi como ter
aula viva sobre cultura pop, com direito a uma trilha sonora espetacular.
11-Em determinado momento o Solar passou a ser considerado
como um estilo de vida, uma filosofia, como você analisa este fato?
TV – Um estilo de vida. É o que resultou da experiência que
reuniu a nata da criação e do pensamento contemporâneo brasileiro. Havia charme
na postura rebelde em contraponto às autoridades do governo ditatorial. Vale
lembrar que a arte refletia a sua porção mais colorida, o fator psicodélico. No
Solar tinha de tudo, até circo, no caso o Grande Circo Romano.
12-Você encontrou algum tipo de dificuldade na preparação
deste livro?
TV – Nenhuma dificuldade, pelo contrário, pois a maioria dos
moradores da pensão ainda está viva. Poucos se foram: Zé Keti, Zé Rodrix,
Leminski, Bueno, Maura Lopes, Tânia Scher...
13- Além das biografias do Paulo Leminski e Torquato Neto.
Você já tem algum novo projeto biográfico em curso?
TV – Sim, mas por enquanto não posso revelar, pois a pauta
futura é segredo editorial. As boas ideias estão escassas... rs.
14- Algumas histórias de alguns lugares emblemáticos, como o
Minhocão, em São Paulo e o Edifício Master, no Rio de Janeiro, já viraram
filmes. Não pensa em contar a história do Solar no cinema?
TV – O jornalista Luis Carlos Cabral, que eu conheci na TV
Globo, está iniciando a produção de um documentário. Como eu já disse, o bom é que quase todos os
personagens estão vivos para recontar a história e facilitar o trabalho dele.
15-Você começou a se interessar por jornalismo ainda muito
jovem. A literatura teve um papel importante neste processo?
TV – Sim, eu tenho que dizer que conhecer Paulo Leminski,
quando eu tinha 22 anos, foi fundamental. O poeta curitibano me despertou o
interesse pelas letras, pelos livros, pela literatura. Eu costumo dizer que
antes de conhecer o Paulo eu era um sujeito tacanho. Depois, engatei uma
segunda, terceira e... fui sozinho.
16-Quais são as suas principais referências literárias?
TV – Senti o impacto das primeiras leituras em Dostoiévski,
Flaubert, Conrad, Mario de Andrade e Oscar Wilde. Mas o primeiro livro que me
marcou foi Cazuza, de Viriato Correia, quando eu tinha 14 anos.
17-Em Solar da Fossa, você diz que naquele tempo, anos 70,
havia uma ideologia na juventude, quando ela se posicionava como “uma força
ativa na vida e na construção do país”. Diante disso, é possível pensar ainda
em um resgate desta ideologia?
TV – Os tempos são outros. Os novos tempos não comportam
mais romantismos e ludo-ludo, ou seja, o jogo não-eletrônico da vida; a
automação está tomando conta do cotidiano.
O mundo está globalizado, para o que há de bom ou ruim nisso. Para
salvarmos a própria vida temos que antes salvar o planeta.
2 comentários:
boa noite,Toninho..acabei de ler o solar..é maravilhoso..da p sentir o carinho q foi escrito..parabens..
Thanks, Junior. Bom saber que vc gostou... abraço
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